“Dor da infância na sua dignidade...”

Num sábado de tarde, liguei a TV para assistir alguma coisa interessante. Sintonizei então no History Channel. Peguei bem no início de um documentário sobre a Tragédia de Beslan. O Massacre de Beslan teve início no dia 1º de setembro de 2004, quando terroristas armados fizeram mais de 1200 reféns entre crianças e adultos, na Escola Número Um, na pequena cidade russa da região da Ossétia do Norte.


“Os terroristas chechenos colocaram explosivos no prédio da escola e mantiveram os reféns sob a mira de armas por três dias. No terceiro da crise, as forças de segurança russas entraram na escola e atacaram os seqüestradores, que detonaram explosivos e atiraram nos reféns. O resultado foi a morte de 344 civis, sendo 186 deles crianças e centenas de feridos. Foi a operação de resgate de reféns mais desastrosa registrada na história da Rússia.

O Conselho de Segurança da ONU condenou o ataque em termos fortes e encorajou os Estados a cooperar ativamente com as autoridades russas para trazer à Justiça os perpetradores. O Secretário-geral Kofi Annan condenou o ocorrido como um "massacre de crianças brutal e sem sentido" e "terrorismo, puro e simples".
No Vaticano, o papa João Paulo II condenou o ataque como uma "vil e impiedosa agressão contra crianças e famílias indefesas".
Nelson Mandela chamou o ataque "um bárbaro e violento ato de terrorismo", dizendo que "de nenhuma maneira pode a vitimização e morte de crianças inocentes ser justificada em qualquer circunstância, e especialmente não por razões políticas".

A Anistia Internacional condenou a "ação [...] repugnante" e "demonstração cabal de desrespeito à vida de civis" e ainda afirmou que foi "um ataque ao mais fundamental direito - o direito à vida; nossas organizações denunciam este ato sem reservas".”


(Wikipedia.org – Beslan School Hostage Crisis)

Naquela época, aos meus 16 anos, havia dado conta da gravidade do fato. Hoje fazem 2358 dias do fim do cerco, porém ainda não compreendo a violência praticamente gratuita contra crianças se repete sem controle ao longo da história. Adultos, de alguma forma são socialmente ou politicamente envolvidas em assuntos que necessitem de atitudes extremas, porém crianças não tem absolutamente nenhum envolvimento. Eles sofrem e morrem em uma guerra que não merecem participar.

Pesquisei algum pronunciamento do papa da época, o Papa João Paulo, pois provavelmente ele haveria de dizer palavras confortadoras sobre o acontecimento.

É UM FORTE GRITO DE DOR DA INFÂNCIA FERIDA NA SUA DIGNIDADE. ESTE GRITO NÃO PODE,

NÃO DEVE DEIXAR NINGUÉM INDIFERENTE...

“Olhando para Maria Menina, como deixar de pensar nos pequenos inermes de Beslan, na Ossétia, vítimas de um seqüestro bárbaro e tragicamente massacrados? Encontravam-se dentro de uma escola, lugar em que se aprendem os valores que dão sentido à história, à cultura e à civilização dos povos: o respeito recíproco, a solidariedade, a justiça e a paz. Contudo, entre aquelas paredes eles experimentaram o ultraje, o ódio e a morte, conseqüências nefastas de um fanatismo cruel e de um desprezo insensato pela pessoa humana.

Neste momento, o olhar dirige-se para todas as crianças inocentes que, em todas as partes da terra, são vítimas da violência dos adultos.

Crianças obrigadas a empunhar as armas e educadas a odiar e a matar; crianças levadas a pedir esmolas nas ruas, exploradas para obter lucros fáceis; crianças maltratadas e humilhadas pela prepotência e pelos abusos dos adultos; crianças abandonadas a si mesmas, privadas do calor da família e de uma perspectiva de futuro; crianças que morrem de fome, crianças mortas nos numerosos conflitos em várias regiões do mundo.

Trata-se de um forte grito de dor da infância ferida na sua dignidade. Ele não pode, não deve deixar ninguém indiferente...”.

(S. S. João Paulo II, Alocução da Audiência geral de

quarta-feira, 8 de setembro de 2004)

Depois de Auschwitz, a razão está sob suspeita. A razão não precisa estar dormindo para produzir monstros. Pior, quanto acordada, a razão produz os piores e inimagináveis monstros e monstruosidades que a própria razão desconhecia ser capaz de cometer. Não podemos mais confiar em qualquer discurso racional, ético ou moral, porque em nossa época até a razão e a linguagem são usadas para fins irracionais. Cada vez mais – infelizmente – a razão cínica é usada para forjar uma moral do ato criminoso, especialmente quando este foi cometido em escala até então inimaginável, como foi o genocídio cometido pelos nazistas, soviéticos, sérvios, sunitas, tribos africanas, enfim, não importa se em nome da “supremacia da raça ariana”, da “da causa socialista”, ou da causa supostamente ‘santa’ que levou, por exemplo, ao massacre das crianças de Beslan. [1]

A única garantia da humanidade ainda se sustenta numa certa confiança na razão, na ética e no diálogo entre diferentes. O pseudo-argumento de que “estou recorrendo ao genocídio, ou ao massacre deste ou daquele grupo social como último recurso, porque eles são mais terroristas do que eu”, deve ser desmascarado como imoral e ilógico. Dizer que a barbárie cometida contra as crianças da escola de Beslan vem da política do governo de Putin, não a faz menos barbárie. Nada justifica o assassinato de crianças. Um único ato de barbárie faz a humanidade retroceder no que considera avanço de civilização. [1]

[1]RAYMUNDO DE LIMAPsicanalista e professor da Universidade Estadual de Maringá.


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